terça-feira, 14 de outubro de 2008

E vou...


Enquanto tu faz planos para o fim-de-semana eu pinto a casa inteira de amarelo, depois rosa e, finalmente, branco. Enquanto tu faz planos para mais tarde eu vendo todos os livros para um desconhecido que saliva e usa suspensórios. Enquanto tu faz planos para dezembro eu vou até a rodoviária e devolvo a passagem só de ida. Enquanto tu faz planos para quinta-feira de manhã eu roubo histórias da mesa ao lado. Enquanto tu faz planos para os dias de chuva eu amarro laços de fita no cabelo e lembro de quando fazia isto para te fazer perceber. Enquanto tu faz planos para quando tudo estiver bem eu assassino baratas brancas. Enquanto tu faz planos para esta tarde eu volto a crer no poder calmante da água com açúcar. Enquanto tu faz planos para a noite mais longa do ano eu fico surda. Enquanto tu faz planos para depois do dia cinco eu jogo fora todas as poucas cartas que guardei. Enquanto tu faz planos para quando a cartela de remédios chegar ao fim eu declaro a quem interessar possa, que não mais sou tua. Enquanto tu faz planos para o pôr-do-sol eu bato pregos nas paredes e deixo os quadros no chão. Enquanto tu faz planos para o verão eu falo em espanhol ao telefone e, aproveitando o momento, cantarolo R.E.M sem errar nem uma palavra. Enquanto tu faz planos eu faço mais uma tatuagem e me arrependo quase que imediatamente. Enquanto tu faz planos para quando receber aumento eu afogo um país. Enquanto tu faz planos para oito quilos a menos eu perco todas as esperanças. Enquanto tu faz planos para o sábado vislumbro uma possibilidade de esquecer tudo e começar tudo de novo, outra vez. Enquanto tu faz planos para quando comprar uma bicicleta eu recuso mais um pedaço de pudim. Enquanto tu faz planos para quando acabar o Jornal Nacional eu rasgo fotos. Enquanto tu faz planos para daqui a quinze minutos eu aviso os gatos que está tudo bem. Enquanto tu faz planos para um futuro que não vai mais existir eu decido que terei outro destino.

E vou.
Ouvindo The Dresden Dolls - Half Jack
Alguém avisa Deus que calor não é legal!

Um comentário:

Alan Dantas disse...

Nobre amigo das letras...
De fato, é interessante como o "enquanto" do outro é presente em nosso "faço"...
As vidas parecem conectadas por algum fio explícito que ainda não foi identificado. Será ele o amor? Ou apenas o fato de serem comparsas desse crime chamado existência?
O bom é que, assim, fica bacana ser criminoso... Diria marginal, mas isso já somos desde o nascimento. Vivemos à margem, nem que seja dos enquantos que esperamos terminar...
Parabéns pelo texto, cara... Fez-me refletir uns bocados aqui.
Grande abraço!